sexta-feira, 25 de março de 2011

Dia sim - Dia solidão

-A solidão é um bicho de quatro cabeças, dizia ela. -Quatro cabeças beges. Cada cabeça com seu sorriso malicioso adorando cada olhar ao além, cada letra digitada, cada movimento do cabelo ao vento. Um minuto era confundido com dois, dois com quatro, quatro com oito... As folhas já não aguentavam mais a dor que o grafite provocava. O grafite, por sua vez, não aguentava mais escrever a dor. A dor era outra que não aguentava mais... não aguentava mais ser sentida. -Tem gente viva lá fora, anunciava a televisão. -A televisão não sabe de nada, afirmava ela. Fazia as pazes com as cabeças quando ia procurar aquela gente viva, descobria que era lenda, encontrava o álcool.
Sem expectativa alguma, mas com um sorriso estampado no rosto, convidou aquele cara pra sair. Ele falava, ela sorria. Ela falava, ele sorria. Eles bebiam. Estava acostumada a ouvir que é mais fácil se envolver com quem passou pelas mesmas situações e teve as mesmas desilusões. Não tinha prova. Mas havia encontrado uma, ali.
As mãos entrelaçadas. A respiração alta que costumava ser tão irritante antes dele. O chuvisco da televisão quase que rindo da ironia. O corpo encostando na parede de tão apertado que estava aquele sono. As imaginarias pétalas de flores enfeitando o lençol. Mais tarde, ou mais cedo, os bocejos. O barulho da bolacha de sal quebrando nos dentes de ambos. O abrir e fechar da torneira do banheiro. O estalo do beijo de despedida. E, mais uma vez, as quatro malvadas cabeças.
- Parem já de me encher o saco, cabeças! Dessa vez tem um sabonete derretidinho no banheiro esperando pelo seu dono.


Para Isabel Fogaça.

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